Responsabilidade Social Empresarial – de volta às origens. Por uma sociedade viável.

Responsabilidade Social Empresarial – de volta às origens. Por uma sociedade viável.

Como tudo começou

      No final do ano de 1999, fui aprovada no processo seletivo para ingresso na pós-graduação do Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ e em 2000, estava cursando as disciplinas de um mestrado considerado inovador na época pela questão da interdisciplinaridade.
Nesta altura, eu já me interessava bastante sobre conceito de desenvolvimento sustentável, que no início dos anos 2000 serviu como um grande aglutinador de forças de atores da sociedade, e de certa forma exprimia o ZeitGeist 1 como uma utopia possível e um direcionador de um futuro desejável.
Ao meu orientador de Mestrado, propus então pesquisar e escrever sobre esse conceito no contexto de organizações privadas, que me retrucou dizendo que este assunto, não produziria sequer um artigo confiável. Então precisei buscar as respostas de consistência metodológica em outras áreas de conhecimento como a Sociologia, partindo do entendimento de que todas as mudanças que estavam acontecendo no âmbito das empresas e do próprio
capitalismo industrial, estavam contidas em uma racionalização mais ampla da sociedade. E assim, obtive a concordância em seguir com este tema e mergulhei em uma jornada de leituras que influenciaram muito o meu modo de viver e ver o mundo.
Alguns livros me ajudaram a entender a emergência da responsabilidade social corporativa naquele início de anos 2000 2 ; entretanto, foram as reflexões trazidas pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, que me forneceram a lente grande angular que eu precisava para compreender esse novo fenômeno.

Sociedade de Risco e Modernização Reflexiva

Em 1986, Ulrich Beck lançou o livro Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne. No Brasil, a obra só foi publicada em português anos depois, em 2010, com o título “Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade”.
Entretanto em outra obra, o autor, juntamente com a sociólogo inglês Anthony Giddens, deu a tal modernidade o nome de Modernização Reflexiva, na qual ela se torna tema para si mesma. Seus efeitos tornam-se o centro do
desenvolvimento da sociedade.

“O mundo em que vivemos hoje não está sujeito ao rígido controle humano.Quase ao contrário, é um mundo de perturbação e incertezas, um mundo descontrolado” (BECK; GIDDENS 1997).”

Os riscos de grande consequência com os quais nos defrontamos atualmente, são de origem social. São riscos associados ao aquecimento global, poluição e desertificação em grande escala, crash da economia global, extinção em massa de seres vivos, superpopulação, epidemias, armas de destruição maciça, o desenvolvimento da pobreza em grande escala, possibilidade de repressão à direitos humanos e democráticos e etc. As incertezas inerentes aos riscos de alta consequência são especialmente preocupantes, porque quase não temos meios de testá-las. Neste contexto, esses riscos dizem respeito a um novo tipo de sociedade, a Sociedade de Risco (BECK, 1992); uma sociedade que não está segura, pois desconhece as reais consequências destes males globais, e na qual vivemos em um estado permanente de incerteza.

A Modernização Reflexiva é então uma combinação de reflexos e reflexões. Reflexos, pois como num efeito bumerangue, a sociedade hoje tem de lidar com os impactos criados pelas suas ações e escolhas coletivas. E reflexões, pois risco pressupõem a ideia de escolha e responsabilidade. A autonomia é o valor que confere ao cidadão o poder de determinar suas estratégias de ação, escolher caminhos e alternativas.

O surgimento do fenômeno Responsabilidade Social Empresarial

Em um nível mais ampliado de governança global, aconteceram as primeiras Conferências das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento; a primeira conhecida com a  Conferência de Estocolmo, realizada em 1972 na capital da Suécia, e vinte anos adiante, a segunda grande Conferência que ficou conhecida com o ECO-92, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Esta Conferência foi um enorme marco, pois nela o conceito de desenvolvimento sustentável, cunhado no Relatório Brundtland (Our Commom Future) em 1987, passou a ser amplamente conhecido:

O Desenvolvimento Sustentável é o desenvolvimento que
satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade das futuras gerações satisfazerem às suas
próprias necessidades. (BRUNDTLAND REPORT, 1987,
p. 24)

          Os resultados da ECO-92, uma série de tratados internacionais com aplicabilidade em todas as esferas da vida em sociedade, incluindo o setor privado, são estabelecidos: Agenda 21, Convenção do Clima, da Convenção para a Biodiversidade, além do embrião da Convenção de Combate à Desertificação. A partir daí Conferências das partes passam a acontecer para dar sequência aos acordos estabelecidos e tomar as decisões necessárias para promover sua efetiva implementação.

          Essas lentes traziam respostas para o porquê organizações passavam a se tornar permeáveis a uma nova gama de questões, que até então não fazia parte (ou muito pouco) do espectro de assuntos empresariais. Esse ambiente gerado pela globalização, pelo encurtamento das distâncias físicas e virtuais, pelo aparecimento de novas instâncias e sujeitos reguladores, pelos prementes dilemas éticos, sociais e emergências ambientais, e pelo empoderamento crescente das partes interessadas (stakeholders), passa a ser o novo cenário das empresas.

A importância que o setor privado adquire na virada do século 3 (grupos empresariais globalizados e transnacionais) e todas as transformações na sociedade, são plasmados no mundo empresarial dentro de um novo arcabouço que ficou conhecido com CSR – Corporate Social Responsability (em inglês), e no Brasil, como responsabilidade social empresarial.
O Instituto Ethos é fundado no Brasil em 1998 (inspirado na organização americana BSR, Bussiness and Social Responsability), e a década de 2000 assiste então a emergência e consolidação do conceito da responsabilidade social empresarial. Durante muito tempo, o Instituto Ethos definiu a responsabilidade social empresarial como sendo:

“a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. (Ethos, 2004)”

As partes interessadas (ou stakeholders) são qualquer grupo dentro ou fora da organização que tem interesse, é impactada ou impacta o desempenho da organização. O conceito de responsabilidade social está associado ao reconhecimento de que as decisões e os resultados das atividades das empresas alcançam um universo de agentes sociais muito mais amplo do que o composto por seus sócios e acionistas (shareholders).

Na prática, também existem evidências de que o comportamento socialmente responsável traz ganhos tangíveis para a empresa em fatores que agregam valor ao seu negócio, reduzem custos operacionais e trazem aumento de competitividade; tais como melhoria da imagem institucional, criação de um ambiente favorável, melhoria e inovações nos processos de produção, incremento na demanda por produtos e serviços, ganhos de participação de mercados , diminuição de instabilidade institucional, facilidade de acesso às linhas de crédito, retenção dos melhores profissionais, etc.

O tema da responsabilidade social integra-se, portanto, ao da Governança Corporativa, ou seja, com a administração das relações contratuais e institucionais estabelecidas pelas companhias e as medidas adotadas para o atendimento das demandas e dos interesses dos diversos participantes envolvidos. A velocidade de circulação de informações e a pressão da sociedade civil organizada, suscitam a vigilância das empresas quanto aos fatores capazes de afetá-las e que merecem, assim, acompanhamento específico. Fala-se por isso; na governança da sustentabilidade, suscitando por similaridade, que deve existir instâncias com mandatos específicos e responsabilidades claras sobre temas socioambientais dentro da empresa.

A consolidação da Responsabilidade Social Empresarial e a gestão para asustentabilidade

Outra formulação que influenciou bastante o movimento de responsabilidade social empresarial, foi o conceito de Triple Bottom Line – o tripé da sustentabilidade (ambiental, social e econômico), do sociólogo e consultor britânico John Elkington:
Sustentabilidade Empresarial assegura o sucesso do negócio a longo prazo e ao mesmo tempo contribui para o desenvolvimento econômico e social da comunidade, um meio ambiente saudável e uma sociedade estável.
(ELKINGTON, 2011)

Em seu famoso livro “Cannibals with forks” (traduzidos para o português como Canibais de garfo e faca, 2011), Elkington indaga: seria sinal de progresso se um canibal utilizasse garfo e faca para comer? Assim, ele traça uma narrativa da empresa moderna que produz os mais variados produtos e serviços de uma forma extremamente arcaica, geradora de externalidades e com um modelo de produção linear baseado na extração crescente de recursos naturais, em que os produtos feitos a partir desses recursos são utilizados até serem descartados como resíduos (o famoso: take, make, dispose).

Elkington, acreditava na necessidade de um olhar amplo para a agenda socioambiental, no qual os conceitos chegassem às empresas e governos de uma forma simples de serem compreendidos e implementados. Uma maneira de integrar o conceito de desenvolvimento sustentável para o plano de negócios. Diante dos riscos iminentes trazidos pelas mudanças climáticas 4 , ele apontava a necessidade da busca por inovação e por novos modelos de negócios, além da iniciativa de empresas em gerir seus riscos e desenvolver uma gestão eficiente para investimentos socioambientais, assim como acontece em outras áreas.

Para os autores Porter e Kramer (2006 e 2011), “Criação de Valor Compartilhado” é o verdadeiro “elo perdido” na conexão de empresas e sociedade, e significa: i) redefinir da produtividade na cadeia de valor; ou seja, gerenciar seus impactos e eliminar atividades não sustentáveis em sua cadeia de valor; ii) redefinir produtos e mercados, e iii) fortalecer clusters e o desenvolvimento local a partir de um investimento social privado estratégico em temas que afetam positivamente as condições de competitividade da empresa em longo prazo, ao contrário de se atuar em questões socias e ambientais genéricas.

À medida que os problemas sociais e ambientais associados às cadeias de produção se avolumavam, o conceito de sustentabilidade empresarial se tornava globalmente conhecido, sendo “adotado” pelos vários setores e portes
de organizações.
Ao mesmo tempo que crescia vertiginosamente o número de iniciativas e mecanismos de monitoramento multi-stakeholders, de padrões setoriais de sustentabilidade, de políticas corporativas e códigos de conduta voluntários, e esquemas de auto-regulação com certificações e protocolos de auditoria 5 , também tornava-se cada vez mais conhecido o conceito de greenwashing, ou simplesmente a promoção de ações, discursos e propagandas sobre ser ecologicamente correto, sustentável, verde, eco-friendly, sem nenhuma consistência prática.
Outro conceito que emergiu com força nos últimos anos, foi o da gestão ESG (de Environmental, Social and Governance), que está mais relacionado ao mercados financeiro e de seguros e é visto como promessa de mudança pelo seu efeito multiplicador, uma vez que investidores e bancos passam a exigir de suas investidas e de seu portfólio de ativos, mudanças em suas estratégias ESG. Por exemplo, a iniciativa do PRI – Princípios do Investimentos Responsável da ONU solicita aos seus signatários, os investidores institucionais (fundos de pensão públicos e privados), que desdobrem as diretrizes do PRI e integrem temas ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG) nas decisões de investimento e propriedade de ativos.
Dentro do mercado financeiro, foram estabelecidas outras iniciativas como os Princípios do Equador 6 , o CDP que opera uma plataforma de benchmarking global de desempenho ambiental de empresas para comparação e tomada de decisão de investidores sustentáveis, dentre tantas outras.
Despontando como porta-voz desse movimento está o Black Rock, maior gestora de ativos do mundo, cujo seu CEO Lary Flink tem se posicionado fortemente através de suas cartas anuais 7 dirigidas aos presidentes de empresas investidas. Para Larry Fink;estamos à beira de uma mudança estrutural nas finanças;, que estão reconhecendo as alterações climáticas como um risco de investimento. Não é à toa que o assunto assumiu uma pauta
relevante no Fórum Econômico Mundial em Davos de 2020.

Um movimento em cheque

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, realizada em junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro, um marco dos vinte anos de realização da Rio-92, que teve como tema principal a “economia verde”, recebeu muitas críticas. Essas argumentavam a falta de ambição da Conferência e que a Rio+20 deveria trazer uma profunda avaliação dos rumos da humanidade nos últimos 20 anos. Os países menos desenvolvidos alegavam que a discussão em torno da “economia verde” ou uma economia de baixo perfil de emissões de gases de efeito estufa, poderia ser usada como pretexto para barreiras comerciais no comércio global, beneficiava as grandes corporações e deixava de lado questões centrais para esses países como combate as profundas desigualdades sociais e a pobreza.
De fato, a Conferência termina sem definição sobre financiamento para a transição para uma economia de baixo carbono, e sem metas vinculantes. Após mais de três anos de discussão, os líderes de governo e de estado aprovam em setembro de 2015, por consenso, o documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável’. A Agenda consiste em uma Declaração, 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (os famosos ODSs) e 169 metas, uma seção sobre meios de implementação e de parcerias globais, e um arcabouço para acompanhamento e revisão.

Se em 1992 a ativista ambiental canadense Severn Suzuki calou por seis minutos governantes que estavam presentes na ECO 92, dizendo que os adultos deveriam mudar seu modo de agir, em 2018, 26 anos depois, a ativista ambiental sueca de 16 anos Greta Thunberg aparece para o mundo com suas greves pelo clima às sextas-feiras. Em 2020, Greta retorna à Davos com uma mensagem forte e clara: pôr um fim à "loucura" dos combustíveis fósseis. 8
Pela primeira vez a edição 2020 do estudo The Global Risks Report 9 , produzido pelo Fórum Econômico Mundial, apontou que 75% dos riscos de maior probabilidade e impacto potencial estão relacionados com o meio ambiente: eventos climáticos extremos, falha na ação climática, perda de biodiversidade, desastres ambientais causados por causa humana.
Dentro deste contexto de desconfiança, um tema fundamental que está colocado para todas as empresas é a necessidade por maior transparência e acesso à informação. Cabe a empresa, demonstrar às partes interessadas seus resultados, não só econômico-financeiros, mas todos aqueles relacionados à complexidade e a totalidade das suas operações. E transparência efetiva ocorre quando a empresa fornece ou torna disponíveis informações apropriadas e com tempestiva para todos os stakeholders relevantes com a intenção de otimizar processos de decisão que conduzam a resultados mais sustentáveis.

No Brasil, testemunhamos incrédulos, os acidentes ambientais da empresa VALE em suas atividades de mineração – os rompimentos da barragem de rejeitos Fundão, localizada na cidade de Mariana em 2015, e da Mina do Feijão, no município de Brumadinho, no início de 2019, colocando em xeque o conceito de “licença para operar”. Em Bangladesh, em 2013, o incêndio e o desabamento da fábrica Rana Plaza que matou centenas de trabalhadores deram maior visibilidade sobre a insustentabilidade sistêmica da cadeia de valor da moda. As vastas áreas queimadas na Amazônia em 2019, revelam o custo social e ambiental da produção pecuária no Brasil. O crescimento da produção de soja na região brasileira de “matopiba” 10 , explica o desmatamento crescente de vegetação nativa no bioma do cerrado brasileiro. A operação Lava-jato evidenciou a relação promíscua entre Governo, empresas estatais e empresas privadas, envolvidas em crimes de corrupção, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, recebimento de vantagens indevidas, etc.

Mesmo com toda essa construção histórica e prática, porque então, as empresas não exerceram o seu protagonismo na sociedade, gerando resultados práticos em prol de mudanças sociais e ambientais? Passados vinte
anos, são poucas as empresas que mudaram o seu modelo de negócios de forma mais disruptiva incorporando a dimensão socioambiental. Ao contrário, houve um recrudescimento da insustentabilidade planetária resultante da ação antrópica. Um exemplo é o declínio catastrófico do número de espécies, ou o que está sendo apontado pela comunidade científica como uma nova onda de extinção em massa de populações de vertebrados. 11
Em 2018, John Elkington, publicou um artigo na revista HBR – Harvard Business Review chamado “Há 25 anos eu criei a expressão Triple Bottom Line. Saiba por que é hora de repensá-la.” Com isso, o autor propõe uma espécie de “recall” do conceito:

“ (…) o sucesso ou o fracasso das metas de sustentabilidade não pode ser medido apenas em termos de lucros e perdas. O TBL não foi projetado para ser apenas uma ferramenta de prestação de contas. Ele deveria provocar um
pensamento mais profundo sobre o capitalismo e seu futuro, mas muitos dos primeiros adeptos entenderam o conceito como um ato de equilíbrio, adotando uma mentalidade de trade-off. (…) Fundamentalmente, temos um problema cultural embutido nos negócios, finanças e mercados. Enquanto os CEOs, CFOs e outros líderes corporativos movimentam céus e terras para garantir o atingimento das suas metas de lucratividade, o mesmo raramente acontece com as suas metas relativas às pessoas e ao planeta. Claramente, o triple bottom line não conseguiu enterrar o paradigma do single bottom line”.
(ELKINGTON, 2018)

O que vem por aí vai depender de todos nós

Recentemente, observamos uma nova geração de conceitos que trazem embutidos uma proposta mais transformadora para a economia, como a conceito de economia circular 12 proposta pela Fundação Ellen Macarthur, a economia regenerativa, a biomimética, o movimento crescente dos negócios dos empreendedores de impacto.
Como parte das comemorações de 50 anos do Fórum Econômico Mundial, seu fundador e secretário executivo, Klaus Scwab, lança em 2020 o novo Manifesto de Davos 13 , que estabelece uma carta com princípios éticos para guiar as empresas na era da Quarta Revolução Industrial e convoca a comunidade empresarial para a adoção do “capitalismo de stakeholders”, devendo a empresa envolver todas as partes interessadas na criação de valor compartilhado e sustentado. O Manifesto também aborda uma série de questões importantes de nosso tempo, incluindo tributação justa, tolerância zero à corrupção, remuneração de executivos e respeito pelos direitos
humanos.
De fato, têm sido infrutíferas as tentativas de conciliar prosperidade econômica com justiça social e ambiental, o que nos traz a necessidade de superarmos a ideia de sustentabilidade e caminharmos para um novo estágio evolutivo de responsabilidade e consciência. Acredito que precisamos de uma nova onda de inovação, mas mais do que isso, precisamos da intenção radical essencial para transformar o capitalismo, em um modo de convivência mais colaborativo e que reconhece a interdependência entre todos seres no planeta.
As empresas precisam expandir e resignificar o seu propósito, entender que existem para sustentar os valores da vida e servir à sociedade.
Retomando o conceito de modernidade reflexiva, a sociedade de risco traz consigo uma nova consciência do risco global que cria espaço para futuros alternativos, com um novo espaço de discussão moral capaz de fazer surgir uma cultura civil de responsabilidade globalizada para uma sociedade viável.
Mas como defende a cientista indiana Vandana Shiva, precisamos superar a “monocultura da mente” colonizada pelo pensamento ocidental de humanidade (cabem todos nessa humanidade?) e pela primazia da economia na centralidade da vida. E nos abrir verdadeiramente para novas lentes e cosmovisões não ocidentais: de povos indígenas, populações tradicionais e de comunidade que estão realizando as mudanças pelas bordas da sociedade.
Espero que nos próximos anos possamos olhar para trás e apontar para este momento como o início do futuro do capitalismo, para como diz o pensador e escritor indígena Ailton Krenak, Adiar o Fim do Mundo.

 


 

Notas de Rodapé:

1 Nota dos organizadores: o termo alemão pode ter como tradução: espírito da época.
2 Zygmunt Baumann com os livros “Globalização: As Consequências Humanas” (1999), “O Mal- estar da Pós-Modernidade” (1998), “Modernidade Líquida” (2001). Ignacy Sachs e seu “Ecodesenvolvimento: Crescer sem destruir” (1986), Octavio Ianni com seus a “Teorias da Globalização” (1995) e o texto “A politica mudou de lugar” (1997), Nestor Garcia Canclini com seu inspirador e metafórico livro, a “A Globalização imaginada” (2003, com original de 1999) e Richard Sennet, com “A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo
capitalismo” (2001, originalmente publicado em 1972).
3 Segundo a última edição da pesquisa da ong inglesa Global Justice Now, das 100 maiores entidades econômicas do mundo, 69 são empresas. A maior empresa do mundo atualmente é chinesa State Grid, equivale a 3 vezes o PIB de Portuga. Walmart, Apple, Shell são mais ricas que a Russia, Bélgica e Suécia juntas. O faturamento das 10 maiores empresas geram riquezas equivalentes a 180 países “mais pobres” incluindo Irlanda, Indonesia, Israel, Colombia, Grécia, África do Sul, Iraque e Vietnã. Walmart, maior empresa do mundo, tem mais colaboradores que a população do Catar, no Oriente Médio (1,9 milhão de pessoas). Fonte: Global Justice Now, UK. 2016. Disponível em: http://www.globaljustice.org.uk/news/2016/sep/12/10-biggest-corporations-make-more-money- most-countries-world-combined
4 Em 2006, o ex-vice presidente dos Estados Unidos na administração de Bill Clinton, entre os anos de 1993 e 2001, ganha não só o Oscar com o filme "An Inconvenient Truth" ("Uma verdade Inconveniente"), como também leva o Prêmio Nobel da Paz em 2007, dividindo a premiação com o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Al Gore e a entidade, presidida pelo indiano Rajendra Pachauri, receberam o prêmio pela luta na preservação do meio ambiente e a divulgação do conhecimento sobre as
mudanças climáticas e seus efeitos no planeta.
5 O ITC- International Trade Center, tem mandato conjunto da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), e é o ponto focal no sistema das Nações Unidas para assistência técnica relacionada ao desenvolvimento do comércio e lançou em 2017, a plataforma on-line Sustainability Map que disponibiliza informações relacionadas a 250 iniciativas e padrões de sustentabilidade, utilizadas em mais de 192 países. As iniciativas estão relacionadas aos mais variados setores, como produção de commodities agrícolas, silvicultura, aquacultura, manufatura de produtos têxteis, exploração de recursos minerais, produção de eletrônicos, de bens de consumo, energia, comida processoda, brinquedos, elaboração de relatório de desempenho empresarial (como os Padrões GRI da Global Reporting Initiative, o framework do Relato Integrado desenvolvido pelo International Integrated Reporting Council – IIRC), entre
outros. Fonte: https://sustainabilitymap.org/home
6 Ver em https://equator-principles.com/about/
7 Carta anual de Lary Flink a CEOS de 2019: “Propósito e Lucro”, disponível em https://www.blackrock.com/br/2019-larry-fink-carta-ceo e Carta anual de 2020: “Uma mudança estrutural nas finanças”, disponível em https://www.blackrock.com/br/larry-fink-ceo-letter
8 The Greta effect? Why businesses are more committed to climate action in 2020, disponível em https://www.weforum.org/agenda/2020/02/greta-effect-business-climate-action/
9 Publicação disponível em: https://www.weforum.org/reports/the-global-risks-report-2020
10 Acróstico formado pelas iniciais dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, MATOPIBA
11 Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and declines. Estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences od the Unites States (PNAS).PNAS July 25, 2017 114 (30) E6089-E6096; first published July 10,017 https://doi.org/10.1073/pnas.1704949114
12 Saiba mais em https://www.ellenmacarthurfoundation.org/pt/economia-circular/conceito
13 Davos Manifesto 2020: The Universal Purpose of a Company in the Fourth Industrial Revolution. Disponível em; https://www.weforum.org/agenda/2019/12/davos-manifesto-2020-the-universal- purpose-of-a-company-in-the-fourth-industrial-revolution/


 

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. O Mal-estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro; Ed. Jorge Zahar, 1998.
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.
BECK, Ulrich. The Risk Society: towards a new modernity. Londres: Sage,1992.
BRUNDTLAND REPORT – COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO:. Nosso Futuro Comum, Rio de Janeiro: FGV, 1988. Tradução do original em inglês Our Common Future, Oxford/New York, Oxford University Press, 1987.
ELKINGTON, John. 25 Years Ago I Coined the Phrase “Triple Bottom Line”.
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ELKINGTON, John. Sustentabilidade. Canibais com Garfo e Faca. São Paulo: MBOOKS, 2011.
GLOBAL JUSTICE NOW, UK. 2016. Disponível em:
http://www.globaljustice.org.uk/news/2016/sep/12/10-biggest-corporations-make-more-money-most-countries-world-combined
IANNI, Octavio. A política mudou de lugar. In: DOWBOR L, IANNI, O.;
RESENDE, P.E (Orgs.) Desafios da Globalização. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1997.
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KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. São Paulo. Ed. Companhia das Letras, 2019
PEREIRA, MARIANA KÖHLER. Limites da Responsabilidade Social Corporativa em um Contexto de Modernização Reflexiva. Dissertação de Mestrado, COPPE. Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE. Rio de Janeiro, 2002.
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SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: Crescer sem Destruir. Rio de Janeiro: Vértice 1986.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2001.
SHIVA, Vandana. Monoculturas da Mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Editora Gaia, 2003.

 

Mariana Köhler – Administradora de Empresas e Mestre em Engenharia de Produção, com mais de 18 anos de atuação na área da gestão socioambiental com experiências em empresas, organizações multilaterais, governo, fundação empresarial e terceiro setor. Em seu repertório, há projetos desenvolvidos na Invepar, Zara Inditex, C&A, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), BCI (Better Cotton Initiative), Ministério de Desenvolvimento Agrário, Fundação Roberto Marinho, Instituto Ethos e Uniethos, Citi, CAIXA, Sesi, entre outros.

 


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