Futuro do trabalho: retenção ou “detenção”​ de talentos?

Futuro do trabalho: retenção ou “detenção”​ de talentos?

“Pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz”.

(Saudade da Bahia – Dorival Caymmi).

Precisamos aprender muito sobre o futuro do trabalho com o autor da citação que abre este artigo. Um cantor, compositor, violonista e pintor que faleceu há mais de 10 anos e viveu 94 muito bem vividos, com um olhar contemplativo único para a natureza e a vida e com realizações e contribuições significativas para a sociedade brasileira. Caymmi é um símbolo do “bon vivant”.

O que nos leva a citar também o sociólogo italiano Domenico de Masi, escritor dos livros “O Ócio Criativo”, “O Futuro do Trabalho”, “Uma Simples Revolução” e outros, que afirmou em entrevista para a TV FOLHA:
“O universo corporativo é um universo masoquista. Que gira em torno de não ser feliz, de trabalhar o máximo possível. A empresa não é feita para a felicidade. E todo esse tipo de trabalho pode ser delegado às máquinas. Restando ao trabalhador o trabalho belo, criativo. Porém o trabalho criativo necessita de liberdade. Necessita de uma situação serena, feliz, de entusiasmo. Sendo o trabalho criativo não se precisa de horários, nem de controle. Se precisa de motivação!”.

Será que todo trabalho pode ser criativo? Será que o trabalho pode ser uma forma de expressão da alma? Como ter equilíbrio e prazer no trabalho? Como criar vínculos profundos e inspiradores com organizações? O que deve ser o trabalho afinal?

Relação Homem X Hora: porque o trabalho criativo, da inovação, não pode ser medido pelo tempo

Na era industrial, tendo em vista o trabalho majoritariamente braçal, fazia sentido correlacionar produtividade com tempo e jornadas duplas de trabalho. Naquela época, mesmo que inconscientemente, se associava o homem e a mulher à máquina na sua capacidade produtiva. Certamente esse é um olhar reducionista para o ser humano; e sabe-se que ainda é bastante vigente.

Hoje, na era pós-industrial, há uma tendência de predominância do trabalho mais intelectual devido aos avanços da tecnologia, o que tem gerado um novo entendimento sobre o uso do tempo versus produção e criação. Consequentemente, as pessoas têm desejado mais liberdade para fazerem o que realmente importa, o que é essencial e significativo.

Será que nossos resultados precisam ser medidos pelo tempo do nosso trabalho ou pelas entregas que realizamos? Por que tanta necessidade de controle? É possível que as pessoas tenham autonomia para viverem com mais liberdade e responsabilidade?

Já está acontecendo uma vivência revolucionária com relação ao trabalho e à vida. O tempo tem mudado de significado e vivência. O tempo Chronos – tempo quantitativo, medido pelo relógio que sempre influenciou mais a nossa vida – está entrando em equilíbrio com o tempo Kairós – tempo qualitativo, vivido com intensidade, verdade e autenticidade e que na sociedade moderna foi desvalorizado.

Os gregos já sabiam que o tempo deve ser o equilíbrio dessas duas forças e, como tudo na vida, tivemos que viver as polaridades para depois encontrar o equilíbrio. Agora é a hora!!! Mesmo para os trabalhos mais operacionais, a disponibilidade das pessoas está cada vez menor, e quando precisam fazê-lo, surge uma necessidade de incluir criatividade e autonomia constante.

O Arquétipo das Gerações: uma navegação pelos últimos 70 anos no mundo do trabalho

Ao longo das gerações, que trazem novas consciências e oportunidades de evolução para a humanidade, uma construção de valores, crenças e vivências vai se dando. Do ponto de vista individual e da vivência organizacional, nós moldamos as organizações e as organizações nos moldam.

Parte de nós passa a ser reflexo da identidade e da cultura de onde trabalhamos. Parte de nós deseja ser um agente de mudanças no ambiente, querendo construir o novo, o próximo passo, questionando o status quo e proporcionando evolução e inovação social. Vamos rapidamente rever cada uma dessas gerações:

Geração Baby Boomer (“O trabalho dignifica o homem”) – nascidos logo após a Segunda Guerra Mundial, que deixa um mundo escasso de recursos, as palavras-chave são “poupar e acumular” para sobreviver. Há então o impulso da industrialização e a conscientização da importância da estabilidade financeira e da construção de patrimônio.

Geração X (“A vida é o trabalho”) – surge a necessidade do fazer mais com menos e, para isso, há uma otimização dos processos e a palavra-chave é “suar” para alcançar os resultados. Ser o maior e o melhor é uma busca constante. É o período do impulso da automação, sistematização e informatização e a valorização das competências, habilidades e especializações.

Geração Y (“A vida é mais do que o trabalho”) – na busca por qualidade de vida, bem-estar e equilíbrio, as relações tornam-se a prioridade e a palavra-chave é “viver” para além do trabalho. O impulso da participação, motivação e engajamento se faz presente e o reequilíbrio da vida humana se mostra fundamental.

Geração Z (“Precisa fazer sentido, ter propósito”) – se não tiver significado, não serve; a identidade é o guia e as palavras-chave são “vivenciar e significar” com liberdade, autonomia, justiça, diversão etc. O impulso da autoconsciência, propósito e sustentabilidade está em ascensão e percebe-se a necessidade do original, autêntico.

O movimento e consciência dessa última geração, em um sentido global, gera a dança que aponta as tendências para uma evolução integrada e contínua da humanidade. Para estar em sintonia e fazer parte disso, precisamos olhar constantemente para dentro de nós mesmos e ir alinhando nossa atuação com o que dá sentido para nossa vida e trabalho.

E as organizações precisam entender essas novas necessidades e realidades, criando novas possibilidades e relações com o trabalho, para que as pessoas possam se expressar de forma mais livre e criativa, pois é isso que a humanidade precisa para se desenvolver.

Yuval Noah Harari, professor israelense de História e autor do best-seller “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, foi preciso em entrevista para o programa Roda Viva: “Pela primeira vez na História, não fazemos ideia de como estará o mercado de trabalho daqui a 30 anos e de que habilidades as pessoas precisarão. […] A única coisa de que temos certeza é que elas vão precisar continuar aprendendo e continuar se reinventando por toda a vida. […] Portanto, o mais importante é como ensinar às pessoas essa flexibilidade; como ensinar às pessoas que elas devem continuar aprendendo e continuar mudando por toda a vida”.

Sucesso e Felicidade: porque não é preciso crescer para se desenvolver e qual é o “tamanho saudável”

A competitividade está, aos poucos, perdendo espaço. Estamos trocando o conceito de comparação por inspiração e colaboração. E percebendo que para fazer sentido, ter propósito, num lugar em que a vida é mais do que o trabalho e esse não é o único que define o homem, não precisamos ser o maior e o melhor.

Todas as gerações, visões de mundo e modus operandi de fazer as coisas foram importantes para chegarmos até aqui. Mas algumas coisas tendem a ser deixadas para trás ou ressignificadas. E aqui cabe a reflexão: “Qual é o tamanho ideal para mim, para minha empresa?”.

Desenvolver, crescer, alcançar o sucesso, ser feliz não estão mais ligados diretamente ao dinheiro, lucro a qualquer custo, inclusive, da saúde dos trabalhadores, das pessoas que se transformavam em máquinas. Na verdade, é inquestionável que quanto menor o custo fixo, maior a liberdade, a autonomia, a felicidade. A abundância não é quando sobra, é quando nunca falta.

Aliás, deve-se tomar cuidado com o crescimento, pois para ser uma grande empresa há submissão exacerbada a três forças e opressões:

  1.  Poder manipulador – a prioridade é a empresa, é preciso crescer;
  2. Fama egocêntrica – se trabalha numa empresa não pode consumir de outra do mesmo mercado;
  3.  Riqueza avarenta – guardar mais para comprar, inchar, crescer.

Talvez devêssemos dar atenção para as três forças positivas que atuam na busca pelo desenvolvimento equilibrado e sustentável:

  1.  Liberdade – poder se expressar livremente e estar em constante desenvolvimento humano e profissional, ter vínculos autênticos;
  2.  Amor – construir relações significativas, afetivas e com pertinência para o todo, dentro e fora da empresa. Encontrar sinergia com supostos concorrentes;
  3.  Verdade – ser transparente, ético e verdadeiro. Expressar e viver o verdadeiro propósito da organização. Acumular o necessário para cumprir o seu propósito e buscar o equilíbrio para a prosperidade coletiva.

Marcas VS Pessoas: quem é a alma do negócio, das empresas que atualmente dão o tom do mundo

Houve um tempo em que o poder era da Igreja, depois era dos governos e militares. Agora, é das empresas. E cada vez mais, será das pessoas. Marcas não têm alma, o que sustenta um negócio são as pessoas e as conexões entre elas a partir de um propósito claro, de valores nobres, de intenções verdadeiras e necessárias. Mas como construir isso?

Pessoas estão se descobrindo como potências capazes de empreender por si só, como freelancers, autônomas. Trabalhando remotamente, de qualquer lugar do mundo, não apenas home office. Trabalhando em rede. Realizando, assim, seus talentos e paixões de forma profunda e abundante. Sem depender de empresas, de governo ou quaisquer instituições.

E como fazer com que as pessoas livres e autônomas queiram se juntar, realizar objetivos comuns e que possam beneficiar o todo? Será que as organizações estão se preparando para proporcionar esse ambiente inspirador para as pessoas e para o planeta?

Entendemos que as empresas podem ser verdadeiras caixas de ressonância, amplificadoras dos propósitos e necessidades humanas. A questão que se coloca é como isso deve se dar num ambiente de mais liberdade, amor e verdade, que é a busca da maioria dos seres humanos.

Por outro lado, a esperança por um trabalho leve, próspero e feliz está nos indivíduos, no processo de autoconhecimento. Devemos nos perguntar algumas coisas como: Qual é minha originalidade? O que é essencial para minha vida? Qual é a vida dos meus sonhos?

Retenção ou “Detenção” de talentos: porque as pessoas não são exclusividade sua e devem trabalhar por fora
“Em Direito Penal, detenção pode referir-se à detenção momentânea de uma pessoa em algum lugar ou condução momentânea da pessoa a algum lugar para uma justificável averiguação e apenas pelo tempo necessário para essa averiguação. Quando praticada sem abusos, é legítimo poder de polícia”. (Fonte: Wikipédia)

Não faz mais sentido falar em “retenção”, o que as empresas precisam despertar é para oferecer uma experiência para as pessoas. Não mais somente colocando academia, creche dentro da empresa, mas sim gerando vínculos legítimos, autênticos de ensino e aprendizado.

Viver em caixas, escritórios apavora as novas gerações. Isso não trará mais os resultados esperados. Precisamos criar situações e ambientes favoráveis à oxigenação das ideias, da criação, da inovação em outras organizações e espaços. E serão notáveis os benefícios para o coletivo.

Conclusão

Seja você empregador ou empregado, o poder do futuro do trabalho está nas suas mãos como indivíduo parte de um coletivo, de uma sociedade. Vamos ter que reaprender a ser humanos, trabalhando nossa criatividade, autonomia, flexibilidade e resiliência. Questionarmos, o tempo todo, qual é o nosso ponto de equilíbrio e, cada vez mais, percebermos nossa capacidade de servir não o básico, mas o essencial. E tudo isso, na totalidade que quisermos e pudermos abraçar, sem contratos limitantes ou prisões encaixotadas.

E aí, profissional do amanhã? Aceita o desafio?

(*) Raphael Rodrigues é consultor com foco no desenvolvimento organizacional e humano, cofundador e facilitador do Impulso Emerge e dono da Pharrel Consultoria

(**) Henrique Pistilli é consultor com foco no desenvolvimento organizacional e humano, cofundador e facilitador do Impulso Emerge e Sócio e Sea Coach da IMUA Noronha


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