Por mais sorrisos de dentro

Por mais sorrisos de dentro

fogo

Há alguns dias fui ao Teatro Municipal de São Paulo assistir ao Quebra Nozes, um ballet bem tradicional, em especial nessa época de fim de ano. Entrar nesse teatro é, por si só, um espetáculo à parte. A arquitetura, o mármore, o tapete vermelho, os ornamentos e seus dourados, o órgão, o palco. Ah o palco!…Por onde já passaram tantos artistas e tantas obras que nos colocam em contato com sensações, emoções e percepções que ficam esquecidas na corrida da vida e a arte tem o dom de resgatar.

Todos aqueles bailarinos e bailarinas, crianças, jovens e adultos brilhando por entre as cortinas vermelhas deixavam evidentes a paixão pelo seu trabalho e a conexão com a sua essência. Dá até para esquecer que aquela obra de arte é o trabalho deles. Porque no geral temos, enquanto sociedade, uma outra ideia, um tanto padronizada, do que seja trabalho.

No dia seguinte ao espetáculo participei de um roda de conversa com John Milton, mentor de nomes importantes do cenário de pensadores da sociedade contemporânea como Peter Senge, Otto Scharmer e Joseph Jaworski. O trabalho de John é fundamentado na vivência com a natureza em retiros extremamente profundos. E John foi o precursor dos principais movimentos e diretrizes que conhecemos hoje em sustentabilidade.

Saí da roda de conversa com o peito apertado e falta de ar. E isso não é figura de linguagem. Foi literalmente mesmo. Sua voz calma, contando suas experiências com grupos na natureza, fazia-nos lembrar o quanto andamos distraídos e desconexos. O quanto somos seres cheios de sentimentos vivendo num mundo pleno de complexidade, mas agindo como se fossemos pura lógica, racionalidade e linearidade.

Conexão. Essa foi a palavra que ficou pulsando em mim depois dessas duas experiências. E, junto dela, o sentimento de urgência com que precisamos resgatá-la. Estamos absolutamente desconectados do eu, do outro e do todo. Onde é que foi que nos perdemos?

O que nos faz entrar num modus operandi frenético, que nos afasta de quem amamos, de atividades que adoramos, de momentos de pausa e descanso? O que é que faz engordar o índice de 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros que sofrem de burnout (Síndrome de Esgotamento Profissional) segundo a ISMA (International Stress Management Association)? Estamos falando de mais de 30 milhões de seres humanos (isso só no Brasil) adoecendo por não conseguirem pausa e equilíbrio na vida! Sem falar no desequilíbrio coletivo que temos causado: destruição da natureza, catástrofes políticas e econômicas movidas pela ganância desenfreada por poder e dinheiro.

A sociedade do trabalho, da produção e do desempenho nascida à época da revolução industrial perpetua hoje e de forma mais sofisticada. A tecnologia traz informações e nos aproxima geograficamente, é verdade. Mas o excesso de estímulos e informações ininterruptos e simultâneos nos coloca num estado de hiperatividade. Preenchem o tempo e esvaziam a alma. Ficamos escravos do “não perder nada, da necessidade de respostas imediatas e explicações sem reflexão e ponderação.

O trabalho tem ficado cada vez mais virtual, de forma que não é mais necessário espaço e tempo definidos para sua realização. Isso traz flexibilidade, de fato, mas se não cuidarmos, a velocidade em que vivemos nos mantém ativos no esquema 24/7. Temos uma falsa sensação de liberdade.

A mudança no campo do trabalho não só ocorreu em seu aspecto estrutural, mas em seu significado. Trabalho passou de necessidade de sobrevivência ao principal meio de construção do sujeito e expressão e realização do eu. A vida é trabalho e ele valida o pertencimento, a auto-provação e a auto-realização.

A apreciação do ócio, da filosofia, do livre pensar, da arte, do trabalho artesão, da contemplação, da proximidade com a natureza dão lugar ao trabalho sem limites, à eficiência total, ao ter em detrimento do ser. As doenças, antes de natureza física são substituídas por doenças cardíacas e respiratórias, diabetes, colesterol, alergias e evoluem para as psicossociais como depressão, ansiedade, hiperatividade, burnout.

Não sabemos mais parar. Individualmente tiramos de nós mais do que temos, vamos além de nossos limites físicos e psíquicos. Coletivamente excedemos o que o planeta é capaz de suportar. Nietzsche (1844-1900) já à sua época alertava: “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie”.

É verdade que através do trabalho temos a possibilidade de expressar nossos talentos e paixões, de aprimorar nossas competências técnicas e comportamentais, de construir um legado e ajudar a melhorar os problemas do mundo seja pelo “como”, pelo “que” ou pelo “por que” fazemos algo. De darmos significado à nossa existência pelos projetos e realizações conquistados, de construirmos relações relevantes e complementares às nossas, que nos ajudem a evoluir e finalmente, de conquistarmos as recompensas materiais que nos possibilitam uma vida digna, feliz e cheia de possibilidades. Mas para isso acontecer em plenitude é preciso não só equilíbrio nas diversas esferas da vida, mas, antes, resgatarmos essas esferas que deixamos de lado em função do peso que damos exclusivamente ao trabalho.

Uma vida equilibrada se dá pelo nível de consciência sobre nosso poder pessoal, nossa verdadeira essência, nossos talentos e paixões que trazem sorrisos ao nosso ser. Sobre quais são os medos, barreiras, crenças e valores limitantes que impedem a expansão do nosso potencial. Uma vida que considera não só as necessidades individuais, mas as do mundo, o legado que estamos deixando no presente e como estamos influenciando o futuro. É poder viver um estilo de vida que conversa verdadeiramente com nosso eu e ter uma compreensão mais ampliada sobre fluxo financeiro, sobre a nossa relação com o dinheiro e com os outros recursos e ter consciência do quanto geramos de prosperidade financeira para o ecossistema que habitamos. (Veja a Mandala da Vida que Emerge em www.impulsoemerge.com.br/emerge-voce)

As doenças modernas são infartos da alma. São protestos do nosso mundo interior para que olhemos para ele. Para que o alimentemos daquilo que o faz brilhar, do que o faz sentir pleno. Para que sintamos de novo, e verdadeiramente o que é conexão. Não a dos cliques nas redes sociais. Mas aquela que vem do silêncio, do vazio. Da pausa. Aquela que nos traz sorrisos de dentro. Como aqueles que vi no palco, naquele espetáculo. Como os que dei enquanto contemplava o Teatro Municipal. Como os que percebi nos relatos do John. Como os que sentimos quando não passamos correndo pela vida.

 

 

Raphael Rodrigues e Ana Paula Coscrato dos Santos
raphael@pharrelconsultoria.com.br

ana.coscrato@gmail.com

Escrito a quatro mãos por Raphael Rodrigues, que trouxe a curadoria, a provocação e o ajuste fino e por Ana Paula Coscrato dos Santos, que trouxe a redação, a poesia e os relatos. Rapha é pai da Clara, marido da Pati, músico, consultor, criador e coordenador do Impulso Emerge. Contagia com sua coerência, fé e construção de um mundo mais justo e feliz. Ana é artista, pesquisadora independente, coach, facilitadora e gestora do Impulso Emerge. Anda por aí procurando e exercitando novas formas de ver e viver a vida, com mais amor, consciência, equilíbrio e espiritualidade.


Leave a Comment